Nasceu em Recife (PE), a 6 de dezembro de 1921. Dipl. em Biblioteconomia. Bibliotecário da Câmara dos Deputados, professor universitário, adjunto da Assessoria Especial do Presidente da República. Colab. em periódicos. Premiado em concurso de crítica literária do Jornal de Letras. Pert. à Associação Nacional de Escritores, cofundador. Bibl.: Um livro completa meio século, 1983; Poemas de Manuel Bandeira com motivos religiosos, 1985; O Recife de Manuel Bandeira, 1986; Problemas brasileiros de documentação, 1988; Ser ou não ser bibliotecário e outros manifestos contra a rotina, 1988; Três conceitos de tempo na poética bandeiriana, 1989; Introdução à Biblioteconomia, 1992; Alumbramentos e perplexidades: vivências bandeirianas, 2002; Gilberto Freyre de A a Z, 2002. Faleceu em 22 de junho de 2014.
Astrid Cabral
Nasceu em Manaus (AM), a 25 de setembro de 1936. Mulher do escritor Afonso Felix de Sousa. Dipl. em Letras Neolatinas. Veio para Brasília em 1962. Professora universitária, oficial de chancelaria do Ministério das Relações Exteriores. Pert. à União Brasileira de Escritores/RJ e à Associação Nacional de Escritores, cofundadora. Filiada ao Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro. Detentora do prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras (1987), entre outros. Partic. das antologias Contistas de Brasília, 1965, org. de Almeida Fischer; Carne viva, 1984, org. de Olga Savary; Poemas de amor, 1991, org. de Walmir Ayala; Cronistas de Brasília, vol. 1, 1995, org. de Aglaia Souza; Sincretismo, a poesia da geração 60, 1995, org. de Pedro Lyra; Visión de la poesía brasileña, 1996, org. de Thiago de Mello; A poesia amazonense no século XX, 1998, org. de Assis Brasil; 41 poetas do Rio, 1998, org. de Moacyr Félix; Poesia de Brasília, 1998; Poemas para Brasília, 2004, ambas org. de Joanyr de Oliveira; Antologia do conto brasiliense, 2004, org. de Ronaldo Cagiano; Poetas dos anos anos, 2016, org. de Joanyr de Oliveira. Bibl.: Alameda, 1963; Ponto de cruz, 1979; Torna-viagem, 1981; Zé Pirulito, 1982; Lição de Alice, 1986; Visgo da terra, 1986; Rês desgarrada, 1994; De déu em déu, 1998; Intramuros, 1998; Rasos d’água, 2003; Jaula, 2006; Ante-sala, 2007; Antologia pessoal, 2008; Palavra na berlinda, 2012; Trasanteontem, 2017.
O HUMANISMO COMO ILUSTRAÇÃO MENTAL
Carlos Ayres Britto
- Humanismo é vocábulo plurissignificativo. Polissêmico, então, como passamos a expor.
- Uma das mais conhecidas acepções do verbete é de aprofundado conhecimento das línguas e literaturas antigas. Inicialmente, cultivo do grego e do latim. Com o passar do tempo, cultivo também do italiano e do francês, que nesse conjunto de idiomas é que foi escrita a maior parte das obras representativas da literatura ocidental (nela encartada a poesia). Sem obscurecer, registre-se, a contribuição do inglês em que se expressou o gênio de William Shakespeare, tanto quanto o espanhol de que se valeu Miguel de Cervantes para compor o seu imortal “DON QUIJOTE DE LA MANCHA”.
- Outra vertente do vocábulo é a de pendor ou gosto pelas ciências ditas “humanas”, em oposição ao estudo das ciências tidas como “exatas”. Dicotomia que bem se manifestava na antiga divisão dos cursos de formação escolar de 2º. Grau, aqui no Brasil, em “curso clássico” e “curso científico”. Ambos preparatórios para o exame-vestibular dos cursos de nível superior, sendo que o clássico se destinava ao estudo das ciências humanas; também chamadas de ciências sociais.
- O engate lógico já se percebe: humanista é a pessoa versada nas referidas línguas, ou, então, vocacionada para as ciências sociais; pois que se trata de um modelo acadêmico de humanismo. Humanismo dos doutos, subjetivado, marcadamente, nos filólogos, historiadores, filósofos, juristas, cientistas políticos, literatos, enfim. Estrato social ainda hoje referido como ícone de erudição ou cultura comumente adjetivada de enciclopédica. Tudo muito próprio de uma sociedade que exagera um pouco no prestígio à pura ilustração mental de suas intelectualizadas elites, confundindo, não raras vezes, bons costumes com boas maneiras; acúmulo mecânico de informações com aprofundada formação cultural; talento com memória; conhecimento com sabedoria.
- Era, e ainda é, residualmente, o humanismo típico de uma sociedade não por acaso apelidada de bacharelesca; ou seja, palavrosa, enfatuada, conservadora (conservadora no plano da Política, conservadora no plano das convenções sociais). O que não tem impedido o despontar de estudiosos que aliam ao mais sólido lastro cultural o mais vivo compromisso com a emancipação político-social das massas empobrecidas.
- O mais vivo compromisso, acresça-se, também com o fazer da questão nacional uma trincheira de resistência a um tipo de colonialismo mental que responde pela descrença em nossa incomparável originalidade. Esse colonialismo invisível, camuflado, que, na aguda percepção de Eduardo Galeano, “te convence de que a servidão é um destino e a impotência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser” (em O livro dos abraços. Ed. Porto Alegre: LP&M, 2004. P. 157).
DUAS REVISTAS: UMA NAUFRAGOU, A OUTRA QUASE VIROU CINZA
Edmílson Caminha
Ao longo da História, o Itamaraty transcendeu o papel institucional que lhe cumpre exercer – representar diplomaticamente as posições políticas e os interesses econômicos do Brasil no concerto das nações – para também se fazer um centro de primazia acadêmica, à altura do que há de melhor no magistério universitário brasileiro. Prova disso são os homens e mulheres diplomatas que o honram e engrandecem, ontem como hoje: Guimarães Rosa, Antônio Houaiss, José Guilherme Merquior, Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto, Sérgio Paulo Rouanet, Vera Pedrosa, Alberto da Costa e Silva, Evaldo Cabral de Mello, Francisco Alvim, Lauro Moreira, Carlos Henrique Cardim, Paulo Roberto de Almeida, João Almino, Gisela Maria Padovan, Sérgio Danese, Gonçalo Mourão, José Maurício Bustani e Irene Vida Gala, além de tantos outros. A par do desempenho das funções burocráticas e protocolares como embaixadores e cônsules, publicaram obras literárias (e muitos felizmente ainda as escrevem), dirigiram programas editoriais de relevo e possibilitaram o lançamento de periódicos que enriquecem a cultura brasileira.
Criada em 1993 por decreto do presidente Itamar Franco, a Comissão Nacional para as Comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil foi presidida pelo embaixador Lauro Moreira, responsável pela publicação de três excelentes números da revista Rumos. Com o subtítulo “Os caminhos do Brasil em debate”, abria as páginas para a discussão de ideias, a livre defesa de pensamentos e de opiniões, longe do oba-oba demagógico que está mais para a propaganda de governos do que para o diálogo intelectual. Sob a direção do jornalista Dirceu Brisola e o saber do também jornalista Daniel Piza, um dos editores, não havia dúvida quanto à seriedade do projeto, como se lê na apresentação do diplomata Lauro Moreira:
A revista Rumos nasce com objetivos claros. Ela se insere na proposta da Comissão Nacional do V Centenário de fazer dos 500 Anos um momento de reflexão sobre caminhos e perspectivas do Brasil. (…) Como espaço de debates, Rumos será pluralista e crítica. Cada número privilegiará um tema, tratado por intelectuais de diferentes tendências. (…) Espero que Rumos contribua para mobilizar a sociedade brasileira em torno de uma reflexão crítica sobre o significado de nossos quinhentos anos de história, com os olhos postos no futuro.
O primeiro número (dezembro de 1998 / janeiro de 1999), com o tema “Conflitos da identidade nacional”, traz longos e substanciosos ensaios de Jorge Coli, Olgária Matos, Carlos Guilherme Mota, Eduardo Portella, Renato Janine Ribeiro, Ismail Xavier e Rosa Maria Dias. Textos a que se somam uma entrevista com o professor João Luís Fragoso, poemas de Marly de Oliveira e a memória de Ferreira Gullar como uma das primeiras vítimas do AI-5, preso que foi no infausto dia 13 de dezembro de 1968. Que outra revista brasileira, mesmo as acadêmicas, reúne tanta gente boa logo na edição inaugural?
Para o número 2 (março / abril de 1999) escrevem, como resposta à pergunta “Quem és tu, Federação?”, intelectuais com a relevância de Francisco de Oliveira, Fernando Luiz Abrucio, Isabel Lustosa, Rui de Britto Álvares Affonso, Celso Furtado, Luiz Roncari, Milton Hatoum, Rubens Ricupero, Roberto DaMatta e Daniel Piza. O entrevistado é o filósofo José Arthur Giannotti, que, há 25 anos, defendia ideias que continuam válidas:
Acho que a primeira coisa a fazer seria pegar a borracha e limpar a Constituição. Uma emenda supressiva. Não uma constituinte, mas uma reforma geral para que a Constituição fosse mais do tipo americano, mais com princípios, deixando o resto para a lei ordinária. Com um capitalismo desse jeito, com luta social, vai-se adaptando a lei. Definem-se grandes princípios, sem imaginar que a Constituição vá garantir tudo. E conforme venha um governo mais de esquerda, promulga certas leis, em vez de mexer na Constituição. O detalhismo da Constituição não tem sentido. Em segundo lugar é a reforma política. Esse negócio de partido nanico é altamente prejudicial para a política. Ter um jogo político mais limpo não permite, por exemplo, aventureiros que chegam a matar gente. A reforma política é fundamental.
“Brasil / Portugal, o legado ambivalente” é o mote da terceira edição de Rumos (maio / junho de 1999), com estudos de Aspásia Camargo, Evaldo Cabral de Mello, Miriam Dohlnikoff, Evanildo Bechara, João Almino, a portuguesa Graça Capinha, Jacqueline Hermann, Luís Antônio Giron e Leda Tenório da Motta. Entrevistado por Daniel Pizza, o historiador inglês Kenneth Maxwell não vê, hoje, afinidades maiores entre Brasil e Portugal:
O Brasil é muito grande, muito diversificado, multiétnico e multirracial, com uma experiência histórica que seguiu caminhos muito diferentes dos de Portugal, por mais de um século, para que essa identidade reflita a realidade. Os laços de idioma e história, o passado colonial comum, algumas continuidades institucionais e atitudes burocráticas obviamente continuam. Mas me espantei em minha primeira visita ao Brasil com o quanto ele é diferente de Portugal, da mesma forma como os Estados Unidos são muito diferentes, em vários sentidos, do tipo de mundo inglês onde cresci.
A capa não informa, como antes, “publicação da Comissão Nacional para as Comemorações do V Centenário do Descobrimento do Brasil”, mas apenas “publicação comemorativa do V Centenário do Descobrimento do Brasil”. Sinal, talvez, de que, por inveja ou por mesquinharia, já houvesse insatisfeitos com o brilho de Lauro Moreira à frente da Comissão, como a folclórica e ridícula figura do governo Fernando Henrique Cardoso que poria tudo a perder. Abandonou-se o belo programa de eventos culturais pela construção de uma réplica da caravela de Cabral, que afundou sem navegar sequer uma milha. Melancólico símbolo de como triunfam as nulidades, desde o tempo de Rui Barbosa. Assim naufragou a revista Rumos, que não chegou a padecer do “mal dos sete números”, como tantos bons periódicos brasileiros: foi morta aos três…
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Em 2017, o presidente Michel Temer criou, por decreto, a Comissão Nacional do Bicentenário, responsável pelos eventos oficiais comemorativos dos 200 anos da Independência. Presidido pelo ministro da Cultura, o grupo jamais se reuniu, tão rapidamente se sucederam as nomeações para a chefia do ministério. Sabedor de que tudo resultaria em nada, o diplomata Paulo Roberto de Almeida, então presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, sugeriu a formação de um Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência, no âmbito do gabinete do à época ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira. O coordenador-adjunto, embaixador Carlos Henrique Cardim, propôs a edição de uma revista que ombreasse com os 49 números da Oceanos, publicada em Lisboa, entre 1989 e 2002, pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. Criou-se, assim, a 200, cuja meta se patenteia na apresentação do editor Cardim:
A revista 200 é uma publicação periódica de divulgação de artigos sobre a Independência: textos já publicados, mas de difícil acesso, e textos originais. Contribui para uma visão mais ampla do processo, com ênfase na sua dimensão de relações exteriores. Colabora, assim, com a “Comissão Nacional do Bicentenário”. (…) Assim inspirada, a revista 200 propõe-se difundir “monografias conscienciosas”, principalmente do ângulo das relações exteriores.
“Muitas vezes o olhar estrangeiro enxerga mais nítido e seleciona melhor que a visão do nacional”, escreve o apresentador, para concluir com uma história:
No almoço oferecido pelo Presidente Tancredo Neves, em nossa Embaixada em Buenos Aires, em janeiro de 1985, em homenagem ao Presidente Raúl Alfonsín, Jorge Luis Borges, presença honrosa no ato, comentou ao Presidente Trancredo Neves duas coisas que impressionavam, e o tocavam forte sobre o Brasil: o livro de Euclides da Cunha, Os Sertões, e particularmente a frase do Hino da Independência: “Brava gente brasileira”, disse cantarolando.
Tancredo ouviu com atenção e apreciou bastante. Borges – ao lado da mulher, María Kodama –, cego, e com bengala que trouxera dos pastores do Egito, viu claríssimo o espírito e o sentimento que movem o Brasil.
Com data de outubro / dezembro de 2018, o primeiro número da 200 enfeixa páginas de Jean-Baptiste Debret, Arno Wehling, Gilberto Freyre, Márcia Regina Berbel, Raymundo Faoro, Carlos Lima Junior, Solange Ferraz de Lima, Pedro Calmon, José Murilo de Carvalho (com Lúcia Bastos e Marcello Basile), Gonçalo Mourão, João Alfredo dos Anjos, Paulo Roberto de Almeida e Manuel Diegues Júnior. Capítulos primorosamente ilustrados, a comprovar a excelência do projeto e o apuro da edição.
Impressa pela gráfica em dezembro de 2018, a revista foi censurada pelo governo Jair Bolsonaro, que se empossaria um mês depois. Sobre a espantosa decisão, lembra o diplomata Paulo Roberto de Almeida:
Qual não foi a nossa surpresa quando a tropa de bárbaros que estava tomando posse do Governo e do Itamaraty, sob as ordens diretas do patético chanceler acidental, ordenou o “sequestro” – essa é a palavra – da revista e sua não distribuição. Depois, eu soube que foi ordenada a sua destruição, así no más…
Sem lançamento nem circulação, nenhum exemplar da 200 chegou a leitores, a bibliotecas, a cadernos de cultura da imprensa. Não bastasse a asfixia, determinou-se a queima de toda a edição, como se regredíssemos aos autos de fé medievais, sob a loucura de infames que nos afrontaram como povo e nos comprometeram como nação. Milagrosamente, salvou-se a revista das chamas, para que ficasse como prova de que o bicentenário da Independência poderia ter-se comemorado de maneira digna, honrosa, decente.
Em 7 de setembro de 1822, Pedro I gritou, às margens do Ipiranga, “Independência ou morte!” Dois séculos depois, o insano Bolsonaro empunha um microfone em Brasília e puxa o coro de “Imbrochável! Imbrochável! Imbrochável!” Que, daqui a cem anos, não voltem os brasileiros a passar por essa vergonha. Quem sabe, então, possa o Itamaraty publicar sua grande revista, com o título 300, devidamente atualizado…
2015.10.29 – Palestrante: Ministro Carlos Ayres Britto; tema: Linguagem, Poesia e Direito
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