Link do artigo: https://www.jornalopcao.com.br/opcao-cultural/o-desafio-biografico-de-jk-por-affonso-heliodoro-377032/
“JK — Exemplo e Desafio” é mais que um livro biográfico. É o registro dos destinos de um país que, cedo ou tarde, há de encontrar os caminhos para sua perfeita realização
João Carlos Taveira
Uma explicação necessária: os livros de biografia geralmente são resultado de egos inflados ou, muitas vezes, de canhestras pesquisas vaidosas e apressadas. Buscam, desesperadamente, por meio da vida e obra do biografado, expor pontos de vista egocêntricos, posições distorcidas e inverossímeis, para disfarçar a mediocridade de autores que pouco ou nada representam no cenário literário de um país. Na grande maioria, são aqueles literatos de que nos fala Monteiro Lobato, com muita propriedade. E aqui me lembra certos panfletistas travestidos de historiadores, em busca do Velocino de Ouro…
Por isso, o mundo está repleto de biografias, autorizadas ou não, que pouco acrescentam para o real e verdadeiro conhecimento de pessoas famosas ou de destaque político e cultural; umas, muito célebres, outras, nem tanto, muitas das quais já deixaram o mundo dos vivos e as que ainda vivem por aí à procura de fama. Os exemplos são muitos. A verdade é que, em ambos os casos – por motivos óbvios –, as pessoas se sentem impedidas ou impossibilitadas de se autobiografarem, razão pela qual os aventureiros têm-se candidatado à larga, dando vazão à mórbida necessidade de aparecer, a pretexto de estarem prestando um serviço à sociedade ou à memória de algum morto ou de eventual candidato à fama. Além do dinheiro fácil que geralmente lhes é prometido.
Com o Presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) tem ocorrido uma incidência considerável de textos sobre sua vida e sua obra, que definitivamente não podem ser levados a sério como retrato fidedigno ou como testemunho da verdade histórica. Muito pelo contrário. Há casos em que o disparate pulula. Noutros, a falta de compromisso com a verdade tem sido uma marca desmerecedora, para não dizer incômoda, até mesmo para as famílias dos biografados.
Resultado convincente e oportuno
Como toda regra tem exceção, “JK – Exemplo e Desafio”, de Affonso Heliodoro (1916-2018), é a mais genuína negação do axioma acima mencionado. O livro é resultado de uma convivência fraterna entre o biógrafo e o biografado, que durou mais de quarenta anos. Tendo conhecido Juscelino Kubitschek, ainda na infância, em Diamantina, Affonso Heliodoro esteve presente na vida do criador de Brasília desde os 17 anos de idade. Primeiro, no Hospital Militar da Força Pública de Minas Gerais (hoje Polícia Militar de Minas Gerais). Depois, na Prefeitura de Belo Horizonte e no Governo de Minas. Em seguida, na Presidência da República, na eleição para o Senado, na campanha JK-65 e, finalmente, no período crucial do exílio em Paris. Foram anos e anos de proximidade profissional e afetiva. Fato que, por si só, dá credibilidade indiscutível ao foco narrativo do autor em justaposição à vida e obra do ex-presidente.
Aqui não há dissimulações, invencionices, muito menos resultados insossos de cansativas “pesquisas”. Tudo, neste livro fantástico, respira verdade e respeito à memória do grande estadista de Minas Gerais. Cada palavra, cada frase, cada capítulo está cheio de sincera confissão, sem rebuscamento linguístico, sem academicismo vazio. Em muitos parágrafos, as duas figuras se confundem, se complementam. Suas vozes tornam-se uníssonas no mesmo apelo de brasilidade, de esperança em um país cujo destino é a grandeza e o desenvolvimento.
Muitos inconformistas, como eu, por descrença, têm apregoado, à exaustão, que a Proclamação da República, apressada e malfeita, só encontra salvação em dois homens: Getúlio Vargas, que arrancou o Brasil do século XIX e o levou para a realidade do século seguinte, e Juscelino Kubitschek, que deu nova consciência aos brasileiros, consolidou o País e o preparou para enfrentar as dificuldades da segunda metade do século XX.
Encerro, lembrando que Affonso Heliodoro, à época do lançamento do livro, já próximo de seus 90 anos, ainda encontrou força e disposição para o trabalho de memorialista e biógrafo. Em contraposição ao estado de coisas que, por mais de cem anos, assolou o Brasil, esse mineiro também de Diamantina ainda encontrou jeito para mostrar e demonstrar, para nós, leitores, que ainda é possível acreditar no trabalho, na dignidade e na decência do homem público. Ou seja, nem tudo está perdido, embora as trevas da república, com seus desmandos, corrupção e impunidade, ainda não cessaram de ameaçar nossas cabeças e comprometer nosso futuro. Até quando, só Deus sabe.
“JK — Exemplo e Desafio” é mais que um livro biográfico ou de memória, é o registro dos destinos de um país que, cedo ou tarde, há de encontrar os caminhos para sua perfeita realização — como sonhou um dia o incomparável estadista Juscelino Kubitschek de Oliveira.
João Carlos Taveira, poeta, crítico e ensaísta, é colaborador do Jornal Opção.