Carlos Ayres Britto
- Humanismo é vocábulo plurissignificativo. Polissêmico, então, como passamos a expor.
- Uma das mais conhecidas acepções do verbete é de aprofundado conhecimento das línguas e literaturas antigas. Inicialmente, cultivo do grego e do latim. Com o passar do tempo, cultivo também do italiano e do francês, que nesse conjunto de idiomas é que foi escrita a maior parte das obras representativas da literatura ocidental (nela encartada a poesia). Sem obscurecer, registre-se, a contribuição do inglês em que se expressou o gênio de William Shakespeare, tanto quanto o espanhol de que se valeu Miguel de Cervantes para compor o seu imortal “DON QUIJOTE DE LA MANCHA”.
- Outra vertente do vocábulo é a de pendor ou gosto pelas ciências ditas “humanas”, em oposição ao estudo das ciências tidas como “exatas”. Dicotomia que bem se manifestava na antiga divisão dos cursos de formação escolar de 2º. Grau, aqui no Brasil, em “curso clássico” e “curso científico”. Ambos preparatórios para o exame-vestibular dos cursos de nível superior, sendo que o clássico se destinava ao estudo das ciências humanas; também chamadas de ciências sociais.
- O engate lógico já se percebe: humanista é a pessoa versada nas referidas línguas, ou, então, vocacionada para as ciências sociais; pois que se trata de um modelo acadêmico de humanismo. Humanismo dos doutos, subjetivado, marcadamente, nos filólogos, historiadores, filósofos, juristas, cientistas políticos, literatos, enfim. Estrato social ainda hoje referido como ícone de erudição ou cultura comumente adjetivada de enciclopédica. Tudo muito próprio de uma sociedade que exagera um pouco no prestígio à pura ilustração mental de suas intelectualizadas elites, confundindo, não raras vezes, bons costumes com boas maneiras; acúmulo mecânico de informações com aprofundada formação cultural; talento com memória; conhecimento com sabedoria.
- Era, e ainda é, residualmente, o humanismo típico de uma sociedade não por acaso apelidada de bacharelesca; ou seja, palavrosa, enfatuada, conservadora (conservadora no plano da Política, conservadora no plano das convenções sociais). O que não tem impedido o despontar de estudiosos que aliam ao mais sólido lastro cultural o mais vivo compromisso com a emancipação político-social das massas empobrecidas.
- O mais vivo compromisso, acresça-se, também com o fazer da questão nacional uma trincheira de resistência a um tipo de colonialismo mental que responde pela descrença em nossa incomparável originalidade. Esse colonialismo invisível, camuflado, que, na aguda percepção de Eduardo Galeano, “te convence de que a servidão é um destino e a impotência, a tua natureza: te convence de que não se pode dizer, não se pode fazer, não se pode ser” (em O livro dos abraços. Ed. Porto Alegre: LP&M, 2004. P. 157).